Em Setembro de 2014, mais precisamente no dia 22 sofri um acidente de moto, machuquei a perna direita, um edema se instalou e fiquei uns meses de cama. E como não podia fazer praticamente nada me apossei dos meus caderninhos de desenho e matei o tempo com lápis e tinta. Eu me recuperava mal, e meus pais preocupados me convenceram a procurar um outro médico para tirar a prova do meu estado. Estava eu sentado na sala de espera do consultório, desenhando enquanto o tempo passava. Uma garotinha de uns 11 anos aproximadamente esticava os olhos curiosos e me observava atenta com seus grandes olhos castanhos. Percebi que seu pescoço esticava cada vez mais. Então inclinei o caderno para que ela visse melhor. Foi então que ela muito entusiasmada me perguntou: Moço, o senhor é tatuador? Fui pego de surpresa com tal pergunta e fiquei embasbacado tentando entender de onde ela havia tirado essa idéia. Respondi que não, ela disse que eu desenhava muito bem e então ela foi chamada pela secretária para ser atendida pelo médico. Nos despedimos e fiquei ali pensando sobre o assunto. Eu estava de bermuda e regata, com minhas poucas tatuagens a mostra, vai ver foi isso que a fez achar que eu poderia ser tatuador. Mas aquela pergunta ficou na minha cabeça, rodeando, rodeando. No começo daquele ano meu amigo Jeremias já tinha colocado essa idéia na minha cabeça. Em um momento oportuno eu estava em seu estúdio, junto com minha esposa que pintava o cabelo com um cabeleireiro que trabalhava lá. Jeremias trabalhava com a Talita Sakamoto, naquela época sua namorada. Ele veio como quem não quer nada me pedir um desenho, depois para tirar o decalque daquele desenho, enquanto eu fazia aquilo percebi uma movimentação estranha. Então lá de dentro ele gritou pelo meu nome e pediu para que eu levasse o decalque até ele. Cheguei na sala de tattoo achando que ele usaria em algum cliente ou coisa do tipo. Não, estava ele na maca, com a perna raspada, a Talita do lado, com as luvas nas mãos e os dois me disseram quase que em coro. Agora você vai aprender a tatuar. E com a supervisão de dois excelentes profissionais eu fiz a tattoo na perna do Jeremias. Foi uma experiência incrível. Os dois sempre me diziam, André vira tatuador, você desenha muito, vai ser dar bem. Não só ele mas outros profissionais diziam a mesma coisa. Aquilo foi germinando dentro de mim. E ouvir aquela garotinha, naquele momento, foi quase que um chamado do universo.
Eu me recuperei, passei ainda quase um ano no meu antigo emprego, comendo o pão que o diabo amassou, sofrendo a pressão de corte e demissão. Até que um dia, percebendo que não haveria uma outra saída, decidi ceder ao universo e fui procurar um curso para aprender a técnica de tatuar. E aqui estou eu hoje, com dois anos de profissão, aprimorando a cada tattoo o meu talento de desenhista. Eu decidi que a arte iria voltar na minha vida. Eu nunca deveria ter deixado ela sair de dentro de mim. Deixá-la ali tão adormecida foi trágico e triste. Mas ela está de volta. E eu tenho me fartado de desenhar. As vezes solto mais de um desenho por dia. E isso me faz muito feliz. Aos poucos vou ficando conhecido e as coisas começam a andar. Os clientes satisfeitos vão espalhando a notícia e novos sempre aparecem.
Estou muito feliz… a arte voltou.